Quando minha avó Alice se foi, depois das lamentações, resolvi, de súbito, engravidar.
Comecei a pensar como tudo era tão efêmero, especialmente a vida. Então, por que adiar mais um sonho, uma alegria de ter um filho nos braços?
Lembro-me, prontamente, de quando conversei com meu marido. Estávamos na sala, à noite, assistindo a novela e eu disse que havia pensado em tudo que tinha acontecido e, a partir de então, iria interromper o uso do anticoncepcional.
Meu marido não cabia em si de tanta felicidade. Ficou empolgadíssimo com a ideia.
No dia seguinte, conversei também com meus pais, que também ficaram muito felizes.
Minha expectativa era tamanha...
Um dia sem tomar o anticoncepcional e eu já me sentia grávida.
A partir da decisão de ter, finalmente, um filho, comecei a imaginar em todos os instantes um serzinho fofo em meus braços...O meu bebê!!
Comecei a sonhar em ser chamada de mãe.
Acontece que 'querer não é poder' (Xuxa sempre esteve errada...rs)
O tempo corria, e eu questionava os médicos...A ansiedade aumentava.
Nesse misto de angústia e questionamentos, coincidentemente, algumas pessoas me cobravam um filho. Sabe como é. Tudo contribui para aumentar a ansiedade e o sofrimento.
Os anos foram se passando e, como eu não tinha sucesso, este assunto começava a me incomodar profundamente.
Tentava ocupar minha mente ao máximo com trabalho. Dormia tarde, acordava muito cedo, trabalhava em três turnos, dando aulas, lidando com os filhos dos outros.
O fato é que eu queria o meu filho...não mais os dos outros.
Comecei a ficar neurótica e trocava de ginecologista como de roupa.
Os médicos pediam exames e nenhum problema aparecia. Meu marido fazia exames e estava tudo ótimo...
Ora bolas! Dentro de mim, nada mais estava ótimo...muito pelo contrário.
O engraçado é que nesse ínterim de questionamentos, muitas amigas, conhecidas ou até mesmo mulheres da família engravidaram e ligaram para dar a grande notícia.
Chegavam, simplesmente, e contavam: "Tenho uma novidade! Estou grávida!"
E eu fazia uma força tremenda para não berrar: "Pombas!! Novidade vai ser quando eu engravidar!!!"
Algumas ainda emendavam: "Mas, e você?? Quando vai se animar?"
Eu não ficava com raiva das pessoas em si, mas da situação pela qual eu passava...pelo constrangimento das cobranças, entende?
Eu não tinha inveja das mulheres que conseguiam, mas eu também queria receber essa dádiva e não conseguia.
Meu marido já estava meio perturbado com a situação. Sempre foi muito bom comigo, nunca me cobrou nada, mas eu sabia que lá no fundo de seu coração, ele sentia um imenso vazio por ainda não ser pai.
Uma vez chegou a me dizer que havia conversado com família dele para que não houvesse mais 'cobranças' por um filho... Fiquei péssima.
É muito ruim, você não ver uma luz no fim do túnel e as pessoas ainda ficarem espezinhando.
Só de perguntarem, eu já achava que era perseguição, que era proposital para que eu sofresse.
Bom, passaram-se mais de cinco anos, e todos já estavam se acostumando com a ideia de eu não ter engravidado. (Menos eu, apesar de fazer com que tudo parecesse natural)
Oito anos de casada e sem filhos. Momentos felizes com o maridão, mas, às vezes, batia aquela tristeza.
A comemoração do 'Dia das mães' de todos os anos passou a ser terrível.
Sempre a mesma coisa - Eu ia à casa de minha mãe, fazia os cumprimentos... ficávamos felizes por alguns instantes e eu voltava para minha casa já com um buraco no peito.
Todas as minhas amigas estavam comemorando aquele dia. E eu, na minha casa, sozinha, sem um ser que me cumprimentasse, que me desejasse tudo de bom naquela data tão especial.
O que eu fazia?...Abraçava meus três cães...e os chamava de filhos...Meus bebês...
Complicado. A pior coisa que existe é sentir pena de si mesmo. E eu sentia.
Fui me acostumando com a ideia de não ter nascido para ser mãe.
Cheguei a falar para meu marido que, se ele quisesse se separar de mim para tentar ter um filho com outra...que ficasse à vontade. (Nossa...quando me lembro disso...Definitivamente, eu não estava no meu juízo perfeito...)
Fui a um médico, que me aconselhou a procurar um especialista.
Não procurei nada. Estava muito desestimulada para isso.
Mais uma vez, troquei de ginecologista, e este último me disse que o melhor que eu e meu marido poderíamos fazer, seria tentar uma inseminação artificial, deixando bem claro que seria um tratamento caro e que poderia não dar certo.
O fato é que nós não tínhamos os valores para o tratamento. Realmente, para se fazer uma inseminação artificial, é preciso dispor de uma boa quantia, ou então, fazer um sacrifício com poupança, empréstimo, venda de algum bem...Até porque, na maioria das vezes, não funciona de primeira, há mais gastos com medicamentos...E eu achei que, na época, seria trabalhoso demais...Além disso, tínhamos compromissos com outras contas.
Resolvi por bem (ou por mal) dar um basta à situação, decidindo, finalmente, não tocar, nem pensar mais no assunto (Ah...eu tentei, né?). E quando alguém insistia em perguntar, eu já fechava a cara e dizia que achava que não teria filhos, que talvez, mais tarde, adotaria uma criança (Independentemente de meus sentimentos, sempre achei um grande ato de amor a adoção). Só que naquele momento, não queria mais pensar no assunto 'filho'.
O tempo continuou correndo (Cazuza foi iluminado quando disse que o tempo não parava...) e no ano passado - 2008 - tivemos um grande choque, uma grande tormenta - Meu querido pai ficou doente no meado do ano. Quanto sofrimento...Meu Deus... e no final do ano - 27 de dez.- não resistiu à doença agressiva e faleceu.
Perdemos o chão... A família inteira perdeu seu rumo.
Meu pai não era um simples pai...Era uma pessoa excepcional!! Tinha um amor incomensurável. Foi um final de ano horrível...indescritível.
Caímos em depressão, dor da perda, dias inacreditáveis, inconsoláveis.
Entramos em 2009 anestesiados com tudo.
Decidi mais uma vez que a vida tinha que continuar, apesar de 'ir por ir'.
Retornei ao trabalho em fevereiro. Meu marido me levava mais vezes para sair, a fim de que eu me distraísse...Minha mãe e minha irmã tentavam levar a vida também.
Em março, no meu aniversário, chorei copiosamente. Desliguei-me do mundo. Não queria atender ninguém, olhar para ninguém. Era meu primeiro aniversário sem meu pai.
Abri uma pasta antiga de cartas e lá procurei algumas cartinhas de 'feliz aniversário' que ele sempre me escrevia...Foi muito triste...muito doído...
De súbito, me peguei conversando com 'meu anjo-pai' e com Deus ...Eu estava com as cartinhas de 'feliz aniversário' dos anos anteriores nas mãos e pedia que nos ajudassem a não sofrer mais...que aquela imensa dor diminuísse. Que algo fosse feito para amenizar a tão forte dor da perda.
Em abril, comecei a engordar absurdamente ( eu havia emagrecido quase dez quilos em meio ao sofrimento do ano anterior.)
Estava me sentindo estranha. Meus seios começaram a ficar escuros e pesados e eu sentia uma dor de cabeça constante.
Não queria acreditar que, depois de ter passado por tanto sofrimento, eu também ficaria doente e poderia causar mais preocupação e dor à minha família.
Até que no dia previsto para minha mestruação descer, não aconteceu... e mais apreensiva eu fui ficando.
Achei que tivesse muito doente, talvez tão anêmica, que nem sangue eu tinha mais.
Isso foi me apavorando. Será que eu acompanharia meu pai logo no ano seguinte? Mas que tristeza para minha família, meu Deus...
Meu marido estava bem preocupado...
Resolvi ir à emergência do Hospital Nossa Senhora do Carmo. Fui sem falar nada a ninguém, nem mesmo ao meu marido.
Fui atendida, conversei com a médica, falei que estava muito estressada, falei sobre os problemas pelos quais tínhamos passado e que eu estava com muito medo de estar doente.
A drª. fez algumas perguntas, passou alguns exames e um exame de sangue em especial...O 'beta hcg' -
Nem perguntem a minha reação, né?
Fiquei revoltada!
Aqueleeee assuntoooo do qual eu não queria mais falar, que estava guardado há um tempo, estava voltando e ainda querendo dar esperanças??? Fiquei 'p' da vida!
Fui ao laboratório e fiz o exame.
Quando meu marido chegou do trabalho, disse a ele o que havia se passado e ele não parecia tão empolgado...Estava com medo de ter expectativa em vão. Estava preocupado.
Ele não queria, assim como eu, ficar mais uma vez, depois de tanto tempo, frustrado.
No dia seguinte, eu já não me aguentava de curiosidade, embora não quisesse me frustrar ou demonstrar esperança ao meu marido. Toda a ansiedade, que estava adormecida, tinha voltado. Fora o medo de estar muito doente...Minha cabeça estava latejando.
Liguei para o laboratório e o biólogo não tinha assinado o exame. Me deu uma raiva!! Tentei que a atendente me dissesse o resultado, mesmo sem a assinatura do infeliz, mas ela se recusou. Disse que eu teria de esperar até o dia seguinte...."Ah...tão simples...tá bom....", pensei.
Fui até a farmácia mais próxima e comprei um teste de gravidez. Meu marido, a essa altura já tinha me ligado umas quinhentas vezes..rs...
Ele não queria demonstrar ansiedade, mas não adiantou nada.
No dia seguinte, de madrugada, fiz o teste da farmácia (tinha que ser a 1ª urina da manhã...afff). Só que eu estava sem minhas lentes de contato e não enxerguei bem as tais listras que tinham que aparecer. Acabei mijando minha mão toda...kkkkkk
Chamei meu marido pra me ajudar em uma segunda tentativa, mais um jato de xixi. Ele segurava o teste, só que tremíamos tanto que eu acabei fazendo xixi na mão dele toda também...kkkkk...
Bom, o teste da farmácia não deu certo pra gente.
Resolvi esperar mais algumas horas e pegar o exame no laboratório mesmo.
Liguei e a moça disse que estava disponível...Eu nem perguntei mais nada. Entrei no carro e fui até lá.
Peguei o exame com o coração aos pulos...
Abri e ...... legal...Não entendia nada...Não estava escrito 'positivo' ou 'negativo'...Havia umas numerações...
A minha sorte é que o biólogo, que eu tinha xingado tanto no dia anterior, estava lá e eu o parei e pedi que lesse o exame para mim. Ele, simplesmente, me olhou e me deu os parabéns, dizendo que eu estava com, aproximadamente, 4 semanas de gestação.
(...)....Aaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!...
(Eu não dei este grito!)
Eu olhei para a cara do cidadão, peguei o exame, nem me lembro de ter agradecido a informação. Saí e, sinceramente, até hoje, não me lembro de como cheguei em casa...
Só me lembro de vir 'martelando' na minha mente: "Não posso bater com o carro...Não posso...Tenho que ir devagar, tenho que enxergar o trânsito..."
Cheguei em casa, liguei para o meu marido e joguei a notícia: "É...marido, você vai ser papai!" - Foi simples assim e por telefone!
Eu acho que ele caiu no trabalho porque ele dizia: "Ai, meu Deus....Ai meu Deus" e em seguida, eu não ouvi mais nada...kkkkkk
Mas aí, se caiu ou não (até hoje não perguntei), eu deixei por conta dos colegas dele...Naquele instante, contei mesmo com a 'ajuda' dos colegas de trabalho de meu marido porque também estava ansiosa para compartilhar com minha mãe e minha irmã.
Minha irmã chorou muito...e minha mãe ficou parada...Acho que congelou. Fez a mesma cara que eu havia feito quando o biólogo me deu a notícia, ou seja, cara de nada com coisa alguma...
(...)
Quando meu marido chegou do trabalho à noite, ajoelhou e abraçou minha barriga...Chorou...
(...)
Hoje, estou com seis meses...e o bebê é um menino...O Joaquim Neto - uma homenagem mais do que justa ao meu pai.
Joaquim Neto nascerá no final de dezembro.
Pois é...Deus faz tudo certo...Tudo perfeito! Meu pai se foi no finalzinho do ano passado...e meu bebê nascerá no finalzinho deste ano...
Coincidência? Milagre?
Realmente, querer não é poder NO TEMPO DA GENTE...
Querer só é poder, no tempo certo, no tempo de Deus...no tempo de consolo, no tempo que a gente pensa que está vivendo na maior apatia, que a gente pensa que só está vivendo por viver...
Uma vida nova para trazer alegria a todos os meus...
E o anjo-pai, o vovô Joaquim, tá rindo lá em cima...
É, Deus...essa foi a melhor de todas...
(Bethânia Santos - Setembro/09)